Algumas pessoas dizem que no mato nada acontece. Engano. Acontece até mais coisa do que imaginamos, desde o sobrenatural até a natural paixão. Onde houver o elemento humano coisas acontecem. Tanto faz no centro de Nova Iorque como no meio do mato.
Conheci Madalena que vive na boca da Floresta Amazônica. Me contou a sua história e disse que eu poderia escrever e ainda "botar" o nome dela e o nome do "santo monge", de tanta que era a verdade que me falava. Poupei o monge. É uma hstória comum que pode acontecer em qualquer lugar.
É... professora, to descaximbada de paxão. Choro dia e note, mana. Foi o boto, Madalena? - pergunto. Não sinhora, foi o monge. Monge?!... - exclamo cheia de perplexidade - como assim? Ela, toda simples: eu tava aqui no meio desse mundão verde e ele chegou quetinho feito aparição. Bunito que só Jesus! Um brilho istranho no oio... fala macio e diz tanta coisa de ganhar mulher igual as cantiga de Leandro e Leonardo.
- O monge estava lhe dando cantada, Madalena?
- Não, professora, ele falava igual pra todo mundo. Mas ele me oiava lá dentro...
- Lhe olhava na sua cabana?
- Não, oiava la dentro do meu oio e eu cumeçava a tremer nas mão, nos pé, tudo virava uma tremedera só. Todo o dia assim.
- Ele passava a mão em você? (eu já quis imaginar que o danadinho estava se aproveitando).
- Não. Não é isso qui a sinhora ta pensano. Mas ele me abraça muito, mas abraça todo mundo. Home, véio, novo, aleijão... Qui nem as história de Jesus. Mas cumigo tem um negoço diferente. Nunca fiquei dentro de um abraço tão longo. Ninguém nunca me abraçou assim. tem gente que já reparou. Mas nunca tirô ozadia. Ele é santo, home direito e fala tão sincero. A sinhora intende?
- Entendo... (gente, eu juro que entendi mesmo).
- Então eu disse muito obrigada a Deus que mi mandou um home direito. Quando ele vem di tardinha, eu lavo os pé dele, faço café, tapioca com côco... ele gosta, fecha os ois e abre os braço. Mi da uma vontadi de bejá ele bem na boca, mas eu tenho medo de botá o santo pra durmi e dispertá o home. Sou vige e vai que eu to inganada sobre as intenção dele comigo? E se ele sumisse depois da minha declaração?... Intão, quando me da vontade de bejá eu canto e ele ri com a boca, os oio, o coração. Parece até qui ele quiria... Mas cadê a minha certeza? Um dia resolvi dizê que amava. Ele disse: - muito bom, Madalena. Daí eu passei a dizê todo dia e ele fica mais feliz porque ri interinho.
- A sinhora acha que ele me quer?
Meu Deus, que pergunta desgraçada! O que eu vou responder pra essa criatura toda cheia de paixão? Tão bonita, tão grata, tão generosa com o monge...
- Vou pensar... Acho até que preciso conhecer o monge primeiro. Onde ele está agora?
- La pras bandas de Guajará-mirim fazenu reza de meditá e falanu pro povo. Deve de chegá hoje cum o final do sol.
Gente, eu tinha que responder alguma coisa, mas não tinha a resposta. Quando o conheci, meu coração disparou e quase (?) me apaixono também. Esse é o homem que toda mulher deseja. Meu Deus! "Ecce Homo"! Mas tive a forte intuição de que o monge estava realmente impressionado com tudo em Madalena. Adiei a resposta por mais um dia e resolvi escrever para duas amigas: Milene Sarquissiano (RS) e para Ana Rita Ferraz (BA). Descrevi o monge. As fiz mergulhar na história, elas se comoveram, mas responderam assim:
VIRGEM TERNO
Milene Sarquissiano - www.milenesarkis.blogspot.com
Bendigo teu nome, todo dia e toda hora
Como se imaculado santo fosses
Milene Sarquissiano - www.milenesarkis.blogspot.com
Bendigo teu nome, todo dia e toda hora
Como se imaculado santo fosses
e eu, beata de ti,
crucificada a fazer-te rosário de orações.
Furto de ti todas as chagas, de todas as vidas
Apoderando-me de teus infortúnios todos
E curo-te com a minha espantosa bondade.
Velo teus passos enquanto me faço caminho
Por onde teus pés nus e sôfregos, peregrinam.
E te espero feito sina, no final do calvário,
Com as mãos sangrando e o olhar sagrado,
Onde virgem terno, eterno irás repousar.
Furto de ti todas as chagas, de todas as vidas
Apoderando-me de teus infortúnios todos
E curo-te com a minha espantosa bondade.
Velo teus passos enquanto me faço caminho
Por onde teus pés nus e sôfregos, peregrinam.
E te espero feito sina, no final do calvário,
Com as mãos sangrando e o olhar sagrado,
Onde virgem terno, eterno irás repousar.
Em seguida recebo de Ana Rita um poema de Armando Freitas Filho (RJ):
A felicidade pode ser de carne
de pele apenas - corpo sem cara
nem cabeça, mas com a boca máxima
e muitos braços, peitos, coxa
perna musculosa, clavícula
omoplata, ventre liso esticado
peludo no lugar certo do sexo
e mais o cheiro preciso, exasperado
da axila, virilha, pé
tudo chegando junto, de uma vez
ou aos poucos, esquartejado.
de pele apenas - corpo sem cara
nem cabeça, mas com a boca máxima
e muitos braços, peitos, coxa
perna musculosa, clavícula
omoplata, ventre liso esticado
peludo no lugar certo do sexo
e mais o cheiro preciso, exasperado
da axila, virilha, pé
tudo chegando junto, de uma vez
ou aos poucos, esquartejado.
Continuo sem a resposta para a pobre da Madalena, mas escrevi assim:
MADALENA
Do poço de Jacó
no meu cântaro-corpo
em vez de bálsamo trago a líquida imagem
dos quereres do mundo.
Na sexta hora do dia
hora ausente das sombras
havidas em Samaria
pressinto tuas pisadas caminhantes
sobre os meus desejos.
Do meu vaso de alabastro
deixo verter lágrimas de cheiro
deixo verter águas de água
para alívio das minhas sedes
desapaziguadas
na espera do teu olhar.
Passas.
Tu queres ir, mas tuas vestes se grudam
na primeira pedra
e o teu manto senta sobre mim.
Dou-te de beber
molho teus pés
e seco-os com cabelos-véus.
Toco-te...
sentes minhas mãos sábias e generosas...
Estremeces
e sinto que transbordas comigo.
Mais veloz, porém, que um raio do céu
me afastas prevendo
o perigo impresso no momento.
Dá-me de beber, pregador!
- suplico –
e derramas a eternidade na minha boca...
Seguimos juntos
atemporalmente
e as pedras vão ficando para trás
leves e desarremessadas
para todo o sempre.
Hoje quando cheguei na pequena vila de Madalena, ela veio correndo menina e se atirou nos meus braços, louca pela resposta. Sem saber o que dizer li os três poemas para ela, quase sussurando nos seus ouvidos. Estampou-se-lhe uma "?" imensa na testa. O monge a queria ou não? Gente, ele quer ou não quer?
Como eu não tinha a resposta, saí correndo de volta pra cidade com medo que Madalena percebesse que minhas amigas e eu já havíamos nos apaixonado pelo seu monge.
Rondônia - 18/11/2011