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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A BUSCA DE SHU WEN


Ao monge, mano gêmeo.
Hoje é 31 de dezembro.
Tarde azul divino.
Rede amarela.
Mar à vista próximo à cidade onde vivo.

Acabo de ler o relato sobre uma parte da vida de Shu Wen escrito por Xinram, jornalista chinesa, no seu livro Enterro Celestial publicado em 2004 pela Companhia das Letras. Um amigo, a quem dedico esses comentários, emprestou-me o livro que considero um verdadeiro presente, pois que provocou profundas reflexões a respeito da vida, da cultura oriental, principalmente sobre a forma de viver dos tibetanos, povo com quem esteve minha alma durante os dias de leitura do livro.

Não é uma obra de ficção, mas fruto do trabalho da jornalista que conheceu a personagem por causa de seu programa de rádio sobre alguns aspectos da vida das mulheres chinesas. Uma informação de um vendedor de arroz dada à jornalista fez-se ponte entre Shu Wen e Xinran. As duas estavam agora ligadas.

Impossível ficar imune à vida da determinada Shu Wen, médica chinesa, casada apenas há três semanas que se viu separada do marido porque, por um ideal humanitário, ele, Kejun – também médico – fora convocado pelo Exército Popular de Libertação, durante a revolução comunista de 1949, para servir no Tibet. Ela aguarda o retorno do marido, mas, dois anos depois da partida, recebe a notícia de sua morte. Ao contrário de Penélope de Ulisses - Guerra de Troia – Shu Wen, recusando-se a aceitar a triste notícia, deixa sua “Ítaca” (Suzhou, cidade onde trabalhava) para encontrar o amado na aparente aridez da vida tibetana.

É preciso ter coragem para ser feliz (ou infeliz)! É preciso ter coragem para ser corajosa! É preciso ter coragem para seguir o coração! Foi isso que Wen fez durante trinta anos, vivendo sob o apoio de uma família nômade de quem, entre os silêncios das estações de cada ano, assimilou os costumes tibetanos. Desse tempo retirei alguns momentos que, mesmo fora da ordem dos acontecimentos, são lições de sobrevivência.

Nas montanhas sagradas os tibetanos sempre encontram o que perderam (p. 114). Wen, chinesa transformada nômade tibetana, perdera o quê? O que precisava (re) encontrar? É provável que inicialmente tenha perdido a si própria ao se ver no desamparo do amor. No silêncio das andanças, entretanto, reencontrou a paz de se ter de volta. Fazendo uma associação com nossa vida é essa a caminhada corajosa que todos nós devemos empreender em 2013 ou em qualquer ano, dia ou hora. É na introspecção que está o segredo do autoconhecimento e do encontro com as forças internas para que possamos dar passos largos para fora. Por isso e para isso Wen renunciou às vozes do mundo em que vivia para encontrar a si nas montanhas sagradas, enquanto buscava trazer para dentro o amor que pensava haver perdido do lado de fora. Pagou para si a dívida, se é que havia alguma.

A vida começa na natureza e a ela retorna (p. 110). Esse princípio é fundamental para entender os motivos pelos quais Wen perseverou na sua busca porque a vida começa pelo amor, continua por ele e para ele retorna. O amor é elemento (natural) da natureza. Daí simplesmente continuar vivendo é uma vitória. Para isso, no entanto, foi necessário exercitar e abrir mão dos próprios desejos para deixar que a guiança divina operasse, ou seja, deixasse vir o que viesse, do jeito que viesse, aceitando essa guiança que seguramente existe. Acreditemos ou não. Queiramos ou não. Ao acolher as coisas como são abrimos as portas para que a serenidade entre e tome assento em nossa casa interior.

Wen, ao jeito oriental – na cultura e no sentimento religioso – “salvou-se” ao já ter sempre em si o conselho do vendedor de arroz fermentado: viva um dia de cada vez e os dias passarão rapidamente (p. 155). Se conseguirmos ficar presentes em nós e no tempo que estamos vivendo, depositaremos intensidade em nossas ações e deixaremos de ver a passagem do tempo como adversária. Essa passagem será como uma gota de vida pingada, uma por uma, sobre os dias-nossos-de-cada-dia; será como sementes de compreensão e de paz que germinarão lenta e suavemente dentro de nós porque mudamos o foco do significado do que é rápido para nós. Viver um dia de cada vez significa desacelerar para não atrair ansiedades; acolher os cuidados que cada momento exige. Quisesse ou não, Wen teve que aprender. Aprendendo cumpriu o que era preciso até receber a mais linda presença de amor que qualquer pessoa gostaria de receber:

Querida Wen,
Se hoje eu não retornar, outros lhe contarão o que aconteceu comigo. Por favor, entenda e me perdoe.
Eu te amo. Se me for permitido entrar no paraíso, farei tudo para lhe garantir uma vida segura e repleta de paz, e esperarei por você lá. Se for para o inferno, darei tudo o que tenho para pagar as dívidas que ambos contraímos em vida, trabalhando para lhe dar o direito de entrar no céu quando chegar sua hora. Se me transformar num fantasma, zelarei por você à noite e afastarei todo espírito que venha perturbar seu descanso. Se não tiver para onde ir, eu me dissolverei no ar e estarei com você cada vez que você respirar.
Obrigado, meu amor.
Seu marido, que pensa em você dia e noite,
Kejun

Enterro Celestial é um livro que fala da busca, da espera, da renúncia e do amor! A busca pelo amor. A espera do corpo, depois de ser deixado pelo espírito, que retornará à natureza para alimentar outros seres. A renúncia de si mesmo para encontrar o sagrado dentro e fora de si. O amor como o sentimento mais sagrado que une tudo o que é do céu e da terra. O enterro celestial é a permanência do espírito liberto, pairando na paz do amor.

Somente pela compaixão podemos compreender profundamente o outro com suas circunstâncias. Por isso, pela compaixão, acolhemos e entendemos que o que vem de tudo e de todos é bom e bem. Daí o mantra tibetano da compaixão - Om mani padme hum – que paira sobre toda a história e que nos liberta dos sofrimentos provocados por: orgulho (reino dos deuses); inveja (reino dos guerreiros); desejo (reino humano); ignorância (reino animal); ganância (reino dos fantasmas famintos); ódio (reino do inferno). 

Depois que Shu Wen livrou-se desses sofrimentos provavelmente foi agraciada pela celestialidade do Amor presente na carta de Kejun. Repetiu mais uma vez: Om mani padme hum!



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Um comentário:

José Carlos disse...

Maravilha! Não conhecia o livro. Seu texto me cativou. Parabéns! Abs,
José Carlos