NAS SUBLIMES PARAGENS
DA EVAS
O Livro-Arbítrio das
Evas: dentro de fora do Jardim, em seus primeiros quinze
poemas que abrem o livro, traz uma reflexão sobre o aparente silêncio de algumas figuras femininas da Bíblia,
escolhidas como as preferidas pela poetisa Neuzamaria Kerner. A literatura
feita em versos muito pouco trata desse assunto. Quem seriam aquelas mulheres
que viveram num tempo tão distante de nós, mulheres do século XXI? O que
pensavam? Como agiam e quais suas motivações para o comportamento que tiveram
mesmo a elas sendo podada a palavra? Quais os seus verdadeiros anseios da alma?
Assim a autora dá voz a Lilith (figura mitológica), Eva (figura aceita como a
primeira mulher), Raquel, Dalila, Irit (o nome da mulher de Lot), entre outras,
todas Evas!
Para essas perguntas
a autora do livro vai encontrando explicações e expondo suas ideias numa poesia
forte, lúcida e, por vezes, irreverente. Na medida em que as mulheres vão
“falando” um sentido de vida vai sendo construído para aquelas num mundo onde o
poder masculino imperava. Enquanto escreve, Neuzamaria busca sentidos para a
sua própria atuação no mundo, ampliando para as mulheres do nosso tempo o
sentido de restaurar a essência de cada uma. A sua unidade primeira.
É preciso dizer, no
entanto, que O Livro-Arbítrio das Evas não é um livro religioso. Muito pelo
contrário. É um livro que profana as coisas sagradas, mas sem desrespeitá-las.
Instiga a imaginação do leitor. A fala de Raquel comprova a irreverência
apontada neste texto. Essa Eva, ao se sentir injustiçada pelo pai – Labão - que
dera Lia em casamento a Jacó, nos diz:
(...) inventei esperas para sobreviver.
Então, numa noite
enquanto a lua espalhava claridade pela terra
derramei mandrágoras sobre o meu ventre
e fui fértil como as tentações da noite
por duas vezes.(...)
Muitos poemas
percorrem as 222 páginas do livro que nasceu inspirado na vida de todos nós –
homes e mulheres - com todas as suas circunstâncias: amor, inquietação,
alegrias, tristezas, desilusões, mas sem perder a consciência da alma feminina
que habita no universo (incluindo os “Adãos”), no que se refere ao encontro do
corpo e do espírito, essa parte eterna que vive em nós todos aqui e além da
terra.
A autora reverencia o
poeta Miguel Marvilla, versando sobre o poema Dédalo; homenageia Vitória,
cidade que escolheu para viver, dizendo das pedras que emergem do mar e as
comparando com favos fálicos de onde
escorre o mel como alimento; expõe os medos nossos (e escondidos) de cada dia
no poema Algumas irrelevantes descobertas ao falar que mesmo os homens
fortes e musculosos tremem dentro das turbulências dos voos.
O livro, publicado
pela EDITUS, Editora da Universidade Estadual de Santa Cruz (BA, 2014) e
prefaciado pelo contista Hélio Pólvora, é muito interessante e cheio das
espontaneidades da autora que não abre mão do prazer de compartilhar o planeta
Terra com mais 7 bilhões de viajantes e escrever a respeito dessa fantástica
viagem. Não abre mão do real dever de cada artista salvar o sonho porque se lhe
tiram esse dever, o condenam à morte. No dizer do prefaciador as Evas tecem. Tiraram-lhes, como a nós
todos, quase tudo, neste mundo que tanto nos assombra, mas restou pequena
reserva secreta de livro-arbítrio.
Fabrício Brandão*
*nasceu em Ilhéus, Bahia, e é editor da Revista
de Literatura e Artes Diversos Afins (www.diversosafins.com.br).
Formado em Comunicação Social pela UFES (Universidade Federal do Espírito
Santo), arrisca-se no terreno da poesia e da prosa. Integrou a coletânea
Diálogos – Novo Panorama da Poesia Grapiúna (Ed. Via Litterarum/Editus – 2010 –
2ª edição).
Neuzamaria Kerner, baiana de Salvador e vive em Vitória (ES), é
professora e escritora. Tem publicados os livros: “Fragmentos de Cristal”, “Eu
Bebi a Lua”, “A Presença do Mar na Prosa Grapiúna”, entre outras publicações em
revistas literárias. Seu mais recente rebento poético é “O Livro-Arbítrio das
Evas – Dentro e Fora do Jardim” (Ed. Editus – 2014).
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