"- É sério que lê o livro todos os dias?
- Sempre. - Eli se movendo dentro do abrigo recita o Salmo 23 'O Senhor é meu pastor...' e continua dizendo para Solara: isso foi escrito em tempos bem antes de você e eu estarmos aqui, com certeza. (...) .
- O que quis dizer quando disse que não é só um livro qualquer? - Solara pergunta. - Ele é o único.
- Como conseguiu?
- Um dia ouvi uma voz. É difícil de explicar. Mas era como se viesse de dentro de mim.
- O que esta voz disse?
- Ela me guiou para um lugar onde encontrei o livro. A voz me disse para levá-lo no sentido Oeste (...) que seria um lugar seguro... e tenho andado desde então.
- Fez tudo isso porque uma voz na sua cabeça te mandou?
- Sim, fiz. Sei o que escutei. Sei o que ouço. Não estou louco. (...).
- Disse que tem andado por 30 anos. Certo?
- Sim.
- Alguma vez não pensou que estivesse perdido?
- Não.
- Como sabe que está caminhando na direção certa?
- Sou guiado pela fé, não pela visão.
- E o que isso (fé) significa?
- Significa que sabe de algo mesmo que não saiba nada.
- Não faz qualquer sentido.
- Não precisa fazer... é fé. É uma flor de luz em um campo de escuridão. Está dando-me força para continuar. Entendeu?"
O diálogo acima acontece entre Eli (Denzel Washington) e Solara (Mila Kunis) em duas cenas: na 14 os dois estão numa caverna, abrigando-se e descansando para recomeçar a caminhada no dia seguinte; na cena 15 o dia já amanheceu e os dois estão na estrada outra vez, rumo ao Oeste. As cenas fazem parte do filme O Livro de Eli, dirigido pelos irmãos Hughes, 2010, EUA.
Não há como escapar do apelo religioso do filme, embora fosse melhor usar a palavra "religiosidade" - que é mais abrangente - como postura de vida, para explicar a caminhada de Eli. Dentre as várias leituras, no entanto, que toda obra de arte comporta, também é possível entender que o filme é uma homenagem ao Livro. Livro, seja ele qual for, que precisa ser lido e sentido para ser preservado, pelo menos, na memória. No caso do filme o Livro é a Bíblia (Sagrada).
Num mundo de ninguém, na vaziez das estradas segue Eli determinado a cumprir o seu objetivo. Seu dever, melhor dizendo, por causa da crença que o move. Crença em si próprio e crença nas vozes dos inúmeros personagens que clamam pela imortalidade de suas vidas borbulhantes dentro de um universo feito de papel e de palavras, compondo a história da humanidade. O historiador e filósofo, Thomas Carlyle, confirma esse desejo de permanência do ser humano na terra ao dizer que nos Livros está a alma dos tempos passados, sua voz audível, articulada, enquanto já desapareceram, como um sonho, o corpo e as substâncias materiais.
Independentemente das ideias que um Livro divulgue, como objeto guardador de histórias, é o instrumento que possibilita o atravessamento de fronteiras; é a morada das palavras que compõem discursos geradores de aproximações e afastamentos; é o difusor da liberdade de expressão; é o botão que deflagra uma guerra; é a pena que borda as letras da paz numa bandeira fincada no universo; é o grande instrumento que "dessilencia" o oprimido; é o companheiro do solitário e o plenificador de vidas; é o que diz o que o ser humano quer dizer e não sabe como fazê-lo; é o que ensina a certeza da eternidade.
Daí a força da vontade de Eli em dar prosseguimento à sua viagem numa caminhada de alma, sendo guarda costas de um Livro, o tesouro recolhido sob os escombros de um mundo aleijado. Todo o corpo de Eli são olhos, sinal de quem aprendeu a dominar os sentidos. Ele é o contraponto da humana cegueira. Acontece a consubstanciação e Eli é o Livro personificado, imaterial, quando já não há mais Livro na concepção física do objeto como se conhece.
Os diretores de O Livro de Eli recorreram ao conto Bright Phoenix (do escritor Ray Bradbury), que tempos depois foi republicado como Fahrenheit 451 e virou filme nas mãos de François Truffaut em 1966: os Livros eram queimados por serem considerados subversores, num regime ditatorial, porque ensinavam pessoas a pensar criticamente sobre a própria existência e sobre o mundo em que viviam. Em tempos de governos totalitários pensar é crime. A única saída dos resistentes, portanto, era tornarem-se homens-livros numa comunidade de memorizadores de Livros para que as ideias neles contidas não fossem perdidas.À maneira destes também Eli se torna um homem-livro.
Ao tecer estas considerações a respeito do filme o leitor pode elucubrar e depreender que: coincidentemente a antiga prisão de Alcatraz é o local onde os livros são reeditados para que o pensamento continue livre. O Oeste de Eli - o ocaso - é onde o sol se deita para, no dia seguinte, levantar-se em novas esperanças.
Coincidentemente a fênix é o símbolo da bandeira de San Francisco, na California - onde fica Alcatraz -, para onde Eli levou mais no coração do que na mente o seu Livro. Coincidentemente o nome Eli significa "Meu Senhor/O Altíssimo" em hebraico.
Coincidentemente 'Eli, Eli' é um poema (depois musicado) de Hannah Semesh, judia morta num dos campos de concentração, onde o último verso é "...Tfilat ha'adam" (... que a reza do homem - nunca acabe).
Preservar um Livro é uma forma de oração e Eli se fez fênix para que o verbo do Livro continuasse habitando entre nós. Tudo o que se chamou de coincidência tem a ver com tudo. Coincidentemente. Ou não. A essas questões só o Livro tem a resposta.
- Sempre. - Eli se movendo dentro do abrigo recita o Salmo 23 'O Senhor é meu pastor...' e continua dizendo para Solara: isso foi escrito em tempos bem antes de você e eu estarmos aqui, com certeza. (...) .
- O que quis dizer quando disse que não é só um livro qualquer? - Solara pergunta. - Ele é o único.
- Como conseguiu?
- Um dia ouvi uma voz. É difícil de explicar. Mas era como se viesse de dentro de mim.
- O que esta voz disse?
- Ela me guiou para um lugar onde encontrei o livro. A voz me disse para levá-lo no sentido Oeste (...) que seria um lugar seguro... e tenho andado desde então.
- Fez tudo isso porque uma voz na sua cabeça te mandou?
- Sim, fiz. Sei o que escutei. Sei o que ouço. Não estou louco. (...).
- Disse que tem andado por 30 anos. Certo?
- Sim.
- Alguma vez não pensou que estivesse perdido?
- Não.
- Como sabe que está caminhando na direção certa?
- Sou guiado pela fé, não pela visão.
- E o que isso (fé) significa?
- Significa que sabe de algo mesmo que não saiba nada.
- Não faz qualquer sentido.
- Não precisa fazer... é fé. É uma flor de luz em um campo de escuridão. Está dando-me força para continuar. Entendeu?"
O diálogo acima acontece entre Eli (Denzel Washington) e Solara (Mila Kunis) em duas cenas: na 14 os dois estão numa caverna, abrigando-se e descansando para recomeçar a caminhada no dia seguinte; na cena 15 o dia já amanheceu e os dois estão na estrada outra vez, rumo ao Oeste. As cenas fazem parte do filme O Livro de Eli, dirigido pelos irmãos Hughes, 2010, EUA.
Não há como escapar do apelo religioso do filme, embora fosse melhor usar a palavra "religiosidade" - que é mais abrangente - como postura de vida, para explicar a caminhada de Eli. Dentre as várias leituras, no entanto, que toda obra de arte comporta, também é possível entender que o filme é uma homenagem ao Livro. Livro, seja ele qual for, que precisa ser lido e sentido para ser preservado, pelo menos, na memória. No caso do filme o Livro é a Bíblia (Sagrada).
Num mundo de ninguém, na vaziez das estradas segue Eli determinado a cumprir o seu objetivo. Seu dever, melhor dizendo, por causa da crença que o move. Crença em si próprio e crença nas vozes dos inúmeros personagens que clamam pela imortalidade de suas vidas borbulhantes dentro de um universo feito de papel e de palavras, compondo a história da humanidade. O historiador e filósofo, Thomas Carlyle, confirma esse desejo de permanência do ser humano na terra ao dizer que nos Livros está a alma dos tempos passados, sua voz audível, articulada, enquanto já desapareceram, como um sonho, o corpo e as substâncias materiais.
Independentemente das ideias que um Livro divulgue, como objeto guardador de histórias, é o instrumento que possibilita o atravessamento de fronteiras; é a morada das palavras que compõem discursos geradores de aproximações e afastamentos; é o difusor da liberdade de expressão; é o botão que deflagra uma guerra; é a pena que borda as letras da paz numa bandeira fincada no universo; é o grande instrumento que "dessilencia" o oprimido; é o companheiro do solitário e o plenificador de vidas; é o que diz o que o ser humano quer dizer e não sabe como fazê-lo; é o que ensina a certeza da eternidade.
Daí a força da vontade de Eli em dar prosseguimento à sua viagem numa caminhada de alma, sendo guarda costas de um Livro, o tesouro recolhido sob os escombros de um mundo aleijado. Todo o corpo de Eli são olhos, sinal de quem aprendeu a dominar os sentidos. Ele é o contraponto da humana cegueira. Acontece a consubstanciação e Eli é o Livro personificado, imaterial, quando já não há mais Livro na concepção física do objeto como se conhece.
Os diretores de O Livro de Eli recorreram ao conto Bright Phoenix (do escritor Ray Bradbury), que tempos depois foi republicado como Fahrenheit 451 e virou filme nas mãos de François Truffaut em 1966: os Livros eram queimados por serem considerados subversores, num regime ditatorial, porque ensinavam pessoas a pensar criticamente sobre a própria existência e sobre o mundo em que viviam. Em tempos de governos totalitários pensar é crime. A única saída dos resistentes, portanto, era tornarem-se homens-livros numa comunidade de memorizadores de Livros para que as ideias neles contidas não fossem perdidas.À maneira destes também Eli se torna um homem-livro.
Ao tecer estas considerações a respeito do filme o leitor pode elucubrar e depreender que: coincidentemente a antiga prisão de Alcatraz é o local onde os livros são reeditados para que o pensamento continue livre. O Oeste de Eli - o ocaso - é onde o sol se deita para, no dia seguinte, levantar-se em novas esperanças.
Coincidentemente a fênix é o símbolo da bandeira de San Francisco, na California - onde fica Alcatraz -, para onde Eli levou mais no coração do que na mente o seu Livro. Coincidentemente o nome Eli significa "Meu Senhor/O Altíssimo" em hebraico.
Coincidentemente 'Eli, Eli' é um poema (depois musicado) de Hannah Semesh, judia morta num dos campos de concentração, onde o último verso é "...Tfilat ha'adam" (... que a reza do homem - nunca acabe).
Preservar um Livro é uma forma de oração e Eli se fez fênix para que o verbo do Livro continuasse habitando entre nós. Tudo o que se chamou de coincidência tem a ver com tudo. Coincidentemente. Ou não. A essas questões só o Livro tem a resposta.
2 comentários:
oi querida poeta,
se eu te falar que hoje caminhando estava exatamente pensando em ti e na tua demora em dar notícias.
me vens com essa extraordinária.
a de que criou um blog para postar tuas criações.
que coisa mais alviçareira essa.
parabéns mulher.
se eu puder, verei o filme, embora corte volta dessas coisas, porque não gosto de como as pessoas interpretam a bíblia, mas enfim...
espero que não pare por aqui..
que continue, forte e firme.
bjos.w
Oi Neuza!!
Adorei o blog... que maravilha!!
Sabia que até agora não havia me interessado em assistir a esse filme??...
Beijos amiga.
...estarei sempre por aqui.
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